Eu trabalho em um estabelecimento comercial. Meu turno começa as 14 hrs e termina as 17 30. Hoje logo que cheguei para abrir a loja junto a mim encostou um senhor com muitas sacolas. Ele estava no perímetro que era da loja. Como todo ser humano construído por uma sociedade, tive a reação de me incomodar com aquela presença. Porém, busquei um pouco de humanidade verdadeira dentro de mim e engoli a seco meu incomodo, cumprimentei o senhor e abri a loja.
Poucos minutos depois ele se aproximou e me perguntou se eu teria água gelada. Eu tinha, mas, só para vender. Mas, o que ela me custa? 1 real?! E a ele a sede custou uma loooonga caminhada. Lhe dei a garrafa, e ele tomou o meio litro de água em um gole só.
Tomou liberdade e me contou sua história. Waldir, seu nome! Vinha da santa casa, com um caroço muito dolorido no estômago, que não lhe deixava andar, e outro pequeno na face esquerda. Já havia passado por vários médicos e ninguém lhe dava um diagnóstico correto. Depois de ficar 22 dias sem poder beber água, e ter vomitado sangue pela terceira vez, assinou o termo de responsabilidade e saiu do hospital. Pretendia andar da Santa Casa até o bairro Morada dos Nobres, o que significa muitos quilômetros, com uma pressão média de 9 por 8, o que bem baixo. Waldir é cristão, levita, portanto não pode beber, de acordo com sua religião. Parou em uma delegacia de polícia no centro da cidade pra pedir socorro, pois suas pernas não lhe obedeciam mais, a dor era insuportável. O policial o ajudou, e disse que ele só conseguiria andar se bebesse uma dose de pinga para esquentar o sangue. Muitos podem dizer que é sem vergonhisse, mas, o pouco que conheço da medicina me faz crer que de fato era a única solução fora algum tipo de remédio que ele não dispunha naquele momento.
Waldir é retireiro, trabalha no campo. As pessoas que conheceu na cidade o chamam de caipira, e ele tem orgulho do apelido. Ele diz que é a sua origem. Ele confessou suas dores, sua situação trágica, mas a confissão foi firme, digna de homem. Waldir só desmoronou em lágrimas quando me contou que pediu ajuda em uma casa grande e uma menina de 5 anos o chamou de vagabundo. "O senhor não tem vergonha? Já tem cabelo branco e fica vagabundeando pela rua! Vai arrumar um trabalho." Sim ele chorou! E eu.... corei de raiva!
Ele ficou ali mais alguns minutos e me contou várias histórias. Não sei se são verdadeiras, mas ele soube contar, eram bonitas. A chuva passou. É estava chovendo, e ele havia parado lá para esperar acalmar. Arrumou suas coisas e veio me orecer um aperto de mão e um: "Fica com Deus". Eu lhe dei um abraço e pedi para que se cuidasse e ficasse em paz. "Deus está contigo."
Ele se foi. Um passo miúdo, dolorido, custoso, mas firme de quem sabe onde vai. O acompanhei com os olhos e voltei pra dentro da loja com o coração apertado, mas, em paz, afinal, ele sabe pra onde vai.